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domingo, 2 de novembro de 2008

Yes, We Can!!!

Jay-Z, rapper Rosa Parks sentou para que Martin Luther King pudesse andar. Martin Luther King andou para que Obama pudesse correr. Obama está correndo para nós possamos voar. Mal posso esperar até 5 de novembro e poder dizer "Olá, brother president". Eu não posso te dizer em quem votar. Tudo que posso fazer é te dizer para votar.
E eis que em estamos à iminência de ver um negro dominando o maior império do mundo. Quem dia, a maior potência econômica do mundo que também tem enorme potência de racismo mundial.
E o que é esse fenômeno Obama? Um furação, um terremoto, alguma tsunami?? Não! Mas a única diferença entre ele e quaisquer desses fenômenos é que ele não vem diretamente de uma revolta da natureza. Mas de semelhança, resta aludir a ação devastadora que ele causará nas discussões raciais no mundo inteiro e, sobretudo, no EUA. O que será dos mais conservadores racista norte americanos ao se darem conta de que têm sua nação sob a égide de um presidente negro, filho de um homem africano e fruto de uma relação inter-racial e inter-religiosa. Mulçumano queniano que casa com Cristã americana, tem um filho negro que aos 47 anos pode se tornar presidente da nação que odeia mulçumanos e neocoloniza países africanos. Quem diria??

sábado, 4 de outubro de 2008

A estratégia é ser coerente!

Eu pensei em me manter distante de qualquer discussão nesse sentido, até por que estou meio afastada das atividades do movimento negro em decorrência de questões e ocupações pessoais que têm tomado quase todo o meu tempo e políticas que me induzem a tal afastamento. Todo caso, ainda que eu estivesse a pleno vapor, não faria campanha para fulano ou ciclano pois EU, GABRIELA RAMOS, não me imagino tão próxima de estruturas partidárias abraçando uma legenda que, com certeza, não me contemplaria. Mas agora, literalmente às vésperas do pleito, eu quero falar mesmo que ninguém queira ouvir!! hehehehehehhehe....
Eu confesso que passei todo esse tempo de campanha política entre dois candidatos: o petista e o "da esquerda de verdade". A verdade é que, desde que comecei a elucidar algumas coisas em minha cabeça acerca de questões raciais, eu cheguei à conclusão (para alguns, controversa) de que partido nenhum até então existente seria capaz de verticalizar a questão racial como é o desejo das/os negras/os que fazem essa discussão cotidianamente. Direita, Centro, Esquerda (de verdade ou de mentira), nenhum deles é em sua essência, PRETO/A. Mas, em contrapartida, não se pode esquecer que devemos ocupar todos os espaços e, como candidaturas independentes são proibidas pela Constituição Federal e pela legislação eleitoral, o que nos resta é fazer com os partidos o que a todo tempo eles têm feito conosco: usá-los.
Mas apesar disso parecer óbvio, eu fico me perguntando, o que têm feito as negras/os filiados a partidos?? O voto deve ou não ser racializado?? Certa feita, eu tive uma breve conversa com um preto filiado a um grande partido que sempre disse que pautava a questão racial dentro do partido e que nós tínhamos que ocupar todos os espaços. Então, perguntei a ele: Olívia Santana é pré-candidata, se ela disputar com um candidato branco do seu partido, vc votará em quem?? Ele nem pestanejou em responder que votaria no candidato do partido. E não bastando, prontamente disparou a tentar desconstruir a imagem da Mulher Preta como pretexto para não racializar o voto.
Isso aconteceu em novembro do ano passado. Hoje, quase um ano depois, menos de 24 horas antes das eleições a situação é a seguinte: - a candidata preta sofreu um golpe do partido que ele é filiado e que se acha o supra-sumo da esquerda. Olívia Santana, tendo sido chamada pra negociar uma vice-candidatura, no dia seguinte ficou sabendo pelo jornal que todas as coligações estavam fechadas e que ela, obviamente, não era a vice, nem tinha mais opção de coligação. A preta, agora é candidata a vereadora como tem sido a tantos anos. Nas propagandas políticas nenhum negro candidato a prefeitura (no máximo, vices) e candidata negra, então... - em contrapartida, nos comícios, carreatas e, sobretudo, segurando bandeiras e distribuindo santinhos tomando o sol escaldante de meio-dia na cabeça, lá estão, todas/os as/os pretas/os. - amanhã também certamente serão elas/es que correrão e receberão os cacetetes nas costas quando supreendidas/os (em alguns cantos da cidade) fazendo boca-de-urna pela promessa de uns 10 conto que na maioria das vezes, passada a eleição, ninguém verá a cara. É inevitável que eu me pergunte o que tem sido feito dos nossos quando entram nos partidos. Será que todos eles acreditam na que podem mudar, dessa forma, mantendo a lógica da submissão, da prisão a uma estrutura que não fornece nenhuma fiel sensação de pertencimento, que usa e marginalizada como todo o sistema macro(estatal). Sim, marginaliza!! Onde é mesmo que estão as pretas/os dos respectivos partidos senão nos diretório fazendo a base pra brancos subirem?? Sem nas beiradas, esperando alguma migalha. Nas marges, esperado as rebarbas de apoio pra serem candidatos a vereadores e inchar o partido para, em última instância, terem mais tempo de programa eleitoral a TV e dar visibilidade à foto e ao número do candidato branco a prefeito. Ou será que estão esperando pelo seu quinhão, visando qualquer outra coisa que não a ascensão do nosso povo?? Todo caso, qualquer uma dessas hipóteses e qualquer outra, são frustrantes. Eu realmente cogitei a possibilidade de votar no candidato petista, mesmo tendo todas as minhas restrições à sua face cínica, ao seu partido no momento precisa pongar na imagem de um único homem pra estimular qualquer pinguinho de credibilidade pois não se sustenta em si mesma (Lula é Lula, PT já foi o PT... incrivelmente, um partido inteiro, precisa de um único homem pra não se perder. rsrsrs...) Enfim...com todas as restrições, pensei em ter um voto estratégico desacreditando que Hilton pudesse chegar ao segundo turno e temendo descentralizar os votos e contribir para uma "tragédia eleitoreira" que seria optar entre ACM, O Neto, Imbassahy ou João Henrique. Também confesso que ponderei bastante quando lembrei das bases dos partidos coligados Hilton (nem vou tecer comentários pq algumas pessoas dessa lista têm conhecimento e vivência suficiente pra entender o que estou falando). Mas, convenhamos, tragédia eleitoral (pra não dizer eleitoreira mesmo) nós já estamos vivendo. Em 30 anos de movimento negro, ainda não há uma representatividade consolidada que fale por nós e tenha angariado apoio e força suficiente pra enfrentar uma eleição municipal. Pode parecer que a culpa é do movimento negro, dos seus desleixos, suas disputas internas, etc. Mas eu não consigo acreditar que seja só isso. Estamos aprisonados nesse sistema. E, apesar deparecer piegas, a opressão se faz sempre forte e operante. Isso por que, citando novamente Olívia Santana, ela tomou uma rasteira. E por mais que alguns digam que a questão não é só essa, que por trás tenha a complexidade das relação intra e extra partidária. Mas vamos focar no que nos interessa: uma mulher preta podia estar nos representando e não está. O partido a que ela pertence, pouco importa. Afinal de contas, partido por partido, (EM MINHA OPINIÃO) nenhum deles nos representa, nenhum deles verticaliza as nossas demandas, nenhum deles tÊm uma legenda preta, em nenhum dos seus estatutos consta que é um partido de preta/o para preta/o. Por isso mesmo, independentemente do que digam, voto por voto, dou a QUASE todos os partidos, excetos os cristãos e o da linhagem Carlista por serem o supra-sumo da opressão branca. Hilton, tem sido o que todos nós somos desde sempre, persistentes e sobrevivendo da nossa ousadia. Afinal, quem acha pouca ousadia querer iniciar o carreira em cargos eletivos pelo Poder Executivo Estadual e depois no Municipal?? Lembrando Roque, personagem de Lázaro Ramos em Ó Paí Ó, "a lei da minha raça é resistir!!!" EU QUERO HILTON 50, NA CAPITAL DA RESISTÊNCIA!!!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Nina Rodrigues Não Morreu!!!

Tenho que externar, não de imediato meu repúdio, mas, em certa medida, minha satisfação em ver as declarações do Sr. Antônio Natalino Dantas acerca do desempenho dos alunos de medicina da UFBA curso este, que era coordenador. Ele é o único racista sincero que existe naquela Universidade!!! Quem dera que todos os racistas fossem como ele: algumas dificuldades no enfrentamento do racismo institucional seriam amenizadas.
A Universidade Federal da Bahia, assim como maioria (senão todas) as nossas instituições, é racista. O que o EX(já que renunciou) Diretor da Faculdade de Medicina fez, é apenas reflexo do racismo da instituição, como um todo. A opinião dele, com certeza, acha repouso em tantos outros ouvidos e mentes (mas não em bocas), mas estas/es, diferentemente, não dão a cara a tapa. As declarações vieram em bom momento para cessar algumas vozes insistentes em dizer que nós, negras/os vemos racismo onde não tem e que a UFBA não é excludente, que dirá racista.
Mês passado, ocorreu lá nessa mesma instituição, o ENNUFBA - Encontro de Estudantes Negras e Negros na UFBA. A divulgação estava ocorrendo quando, na comunidade do Orkut da referida instituição, um tópico foi aberto, por um branco, se posicionando contra o encontro. Segundo ele, um evento desse tipo caracterizava-se como racismo às aversas e que nós, negras/os, estávamos discriminando e excluindo as/os brancas/os. Diante disso, uma discussão enorme deslanchou, rendendo mais de 1000 postagens. Enfim, o encontro ocorreu, foi um sucesso e, inclusive, essa "reação branca" à nossa articulação, repercutiu nas discussões feitas lá.
Diante do que foi dito pelo Sr. Ex Diretor da FAMED-UFBA Antônio Dantas Antes, agora eu quero ver quem ainda sustentará a posicionamento de que a instituição não é racista, nem excludente, apenas meritocrática. É certo que muitas/os tratarão esse fato como caso isolado e, mais que isso, como mera sandice de um louco, enquanto, na verdade, o cerne da questão está para além disso. Ele é reflexo de todo uma instituição, ele é aquilo que ele representa. Suas palavras não estão soltas ao vento, estão muito bem amarradas em toda a estrutura institucional-acadêmica.
Dizer que música percussiva (leia-se, música afro-baiana) não pode ser considerada música, é uma agressão a todas/as aqueles que sabem de sua origem lá da mãe África e da riqueza que essa musicalidade tem. Dizer isso significa dizer que aqueles que "vão atrás do ilê" e "avisam lá que se juntarão ao Olodum que é da alegria", são espécies de acéfalos ou imbecis que estão indo atrás de nada. Fazer uma declaração dessas significa que nós não podemos resgatar aquilo que nos foi arrancado (a identidade negra) por que nossos batuques não são música, nossa cultura é exótica, nossas religiões folclóricas.
Não podemos também nos furtar do comentário mais descaradamente racista que é se referir às cotas como porta de entrada da contaminação do curso. É bom que lembremos ao Sr. Dantas, que o curso de Medicina, mesmo com as cotas, continua sendo o curso mais elitista e branco da UFBA e que lá existem poucas/os negras/os. Aquele curso é quantitativa e essencialmente branco. Mas quando o chicote quer açoitar, só acha lombos pretos, mesmo quando se sabe que, se alguma coisa está errada na casa grande, as sinhás e sinhozinhos ocasionaram o desajuste. Nina Rodrigues, embaixo da terra que já consumiu sua carne, regozija-se sabendo que fez escola deixando discípulos persistentes que, como brasileiros(por opção), não desistem nunca. Nós, como brasileiras/os(no RG) da escravidão, da exploração e da marginalização, também não desistimos nem cansamos de retrucar a cada ofensa racista que os versos loucos, porém bem ritmados em sinfonias de Bach, Mozart e Beethoven, nos tomam como alvo.
Mas agora estamos tranqüilas/os, afinal, em sua renúncia, em grande ato de nobreza, o Doutor deixou bem enegrecido: assim como Ali Kamel, Aguinaldo Silva, Lya Luft, Gilberto Velho, Yvonne Maggie, Caetano Veloso e todos os demais que assinaram a carta dirigida ao STF pedindo a inconstitucionalidade das cotas(e tantos outros que não assinaram)...ELE TAMBÉM NÃO É RACISTA. Foi tudo impressão nossa, alguns mal-entendidos e ruídos de comunicação. Ou somos pretas/os burras/os demais e não entendemos o recado ou deve ser culpa da nossa mídia...aquela que está sempre do nosso lado!!!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Identidade Negra e Auto-estima

Antes de discorrer sobre o tema em si, faz mister fazer breve conceituação dos termos para que possamos delimitar e fazer o recorte da discussão a ser discorrida.
Por IDENTIDADE podemos entender que seja o aspecto coletivo de um conjunto de características pelas quais algo ou alguém é definitivamente reconhecível, conhecido; é um conjunto de elementos que permitem saber quem uma pessoa é. Trazendo para a nossa discussão, podemos recorrer ao conceito de Identidade Negra que Nei Lopes traz em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana: “em termos psicossociais, a convicção que um indivíduo tem de pertencer a um determinado grupo social, convicção essa adquirida a partir de afinidades culturais, históricas, lingüísticas, etc. Uma das mais árduas tarefas dos movimentos negros na Diáspora, em todos os tempos, tem sido a busca de uma coesão entre as populações negras para o encaminhamento de suas questões. E a dificuldade maior parece se centrar na definição e no desenho dessa identidade negra nos dias atuais. Ao tempo da escravidão, a produção da identidade negra nas Américas deu-se por meio de processos paralelos; pela via da Desafricanização e pela racialização. Os africanos aqui escravizados foram forçados a esquecer suas origens, para assumirem a sua condição subalterna de “negros”. Num segundo momento, o movimento pan-africanista na Diáspora pôs em curso uma reafricanização. No início do século XXI, no Brasil, a mobilização coletiva dos negros em direção às suas reinvidicações específicas ainda esbarrava na falta de uma definição inquestionável sobre quem é efetivamente negro no país.”
Dentro dessa perspectiva, ainda podemos trazer o conceito de desafricanização para que percebamos o que foi feito da nossa Identidade Negra. Assim desafricanização é também nas palavras de Nei Lopes e em mesma obra: “o processo através do qual se tiram ou se procura tirar de um tema ou de um indivíduo os conteúdos que o identificam como de origem africana. Processo psicológico e cultural de desconstrução da identidade dos africanos e seus descendentes em diáspora. A principal estratégia do escravismo nas Américas era fazer com que os cativos esquecessem o mais rapidamente sua condição de africanos e assumissem a de “negros”, marca de subalternidade, a fim de prevenir o banzo* e o desejo de rebelião ou fuga, reações freqüentes, posto que antagônicas. O processo de Desafricanização começava no continente de origem, com conversões forçadas ao cristianismo, antes do embarque. Seguia-se a adoção compulsória do nome cristão, bem como do sobrenome do dono, o que representava, para o africano, verdadeira e trágica amputação“. Sobre a auto-estima, é simples e suficiente a conceituação como o amor-próprio, a auto-valorização.
É inegável que nós negras e negros devemos sim ter uma identidade, um sentimento de pertencimento a algo, para que alcancemos uma auto-estima elevada. E para isso, certamente jamais podemos nos furtar da história. Sim, a história a qual recorremos e alguns dizem que, fazendo isso, remoemos o passado, é nosso “PASSAPORTE DA AUTO-ESTIMA”. Isso porque, é mais do que indispensável que saibamos como e de onde viemos para que entendamos onde estamos e a situação em que nos encontramos. Assim, temos que lembrar da nossa MÃE ÁFRICA. É de lá que viemos, somos filhos dela.E ai, eu não posso me esquivar de dizer a importância vital à nossa formação de identidade e conseqüente elevação de auto-estima, que tem a implementação da Lei 10.639, que traz a obrigatoriedade da História e Cultura Africana e Afro-brasileira, nos currículos escolares dos ensinos fundamental e médio.É bem sabido que quando crianças e adolescentes, nós aprendemos apenas a história eurocêntrica que nos renega ao status de APENAS vítimas da história. É bom ressaltar que não podemos esquecer de todas as mazelas a que fomos submetidos no processo histórico, mas também não podemos permitir que as análises sejam reducionistas e esqueçamos do quinhão da história (que não é pequeno) em que as negras e os negros foram protagonistas. Não podemos reduzir nossa história ao tempo em que os brancos nos “civilizaram” (ao ver deles). E a África de reis e rainhas, de cultura farta e, infelizmente, até de guerras?? Então eu ainda vou além, dizendo que, no que concerne à Lei 10.639, temos não só que cobrar a sua implementação, como também fiscalizar o COMO ela será implementada. Não podemos permitir que seu objetivo seja desvirtuado e que, de repente, vejamos nossas crianças aprendendo que os Pretos e Pretas são alguma espécie de ET’s vindos lá da Terra Mãe; não podemos deixar que nos tornem EXÓTICOS ou FOLCLÓRICOS como hoje freqüentemente, já colocam nossa cultura e nossas religiões, mais uma vez deturpando e reduzindo as perspectivas que dizem respeito a essas questões. Por isso, uma capacitação é essencial, mas essa capacitação não deve se restringir a colocar nossos professores em salas de aula pra aprender qualquer coisa sobre a África, ela deve ter uma nuance também pedagógica justamente para evitar a ocorrência de percalços nesse sentido.Em minha concepção, esse é o primeiro passo para que nossas crianças, no futuro tornadas jovens e adultos, tenham tal identidade, que não se permitam frustrações com padrões de beleza eurocêntricos, não se deixem instrumentalizar para servir ao racismo cínico e não baixem mais a cabeça pra qualquer outra perversidade do racismo cínico em que vivemos. Entendendo e tomando isso como nossa verdade, teremos então a identidade que não mais permitirá que nos chamem de macacos, cabelo de assolan, burros, desalmados, inferiores ou coisa que o valha.
Enfim, quando falamos de identidade, não podemos também esquecer a nossa identificação não só com nossas origens, como também com o outro e com o espaço em que vivemos/freqüentamos. E acho que nesse tocante, é importantíssimo desmitificar a idéia de que nós negras e negros somos racistas uns com as/os outras/os. Todos nós sabemos que, por diversas vezes, negras/os fazem piadas de suas/eus irmãs/os, policias negras/os, batendo e cometendo atrocidades contra negras/os, entre outras milhares de situações. E mais que ver essas situações, já ouvimos diversas vezes também, os brancos dizendo que não são racistas ou mesmo que o racismo nasce de nós mesmo. Essa é a mentira mais deslavada que se pode ouvir e é também a maior arma de legitimação de um racismo do qual nos restringimos ao status de sujeitos PASSIVOS. Sejamos lógicos!!! Nossos antepassados pretos e pretas vindas de África, desde então, às vezes mesmo sendo Reis ou Rainhas, foram subjugados e colocados como NADA. Depois, foram libertados, e continuaram sendo tratados como NADA, já que, sequer um dia fizeram parte da sociedade, foram renegados à marginalidade no sentido literal da palavra. Depois de lutas árduas, conseguimos galgar algum espaço, mas o estigma da inferioridade nos perseguiu. Nunca tivemos a oportunidade de nos sentirmos iguais já que a nós sempre foi negado direitos iguais e políticas de equiparação. Não é lá tão difícil perceber que quando um negro abre a boca pra insultar outro negro usando para isso a questão racial, ele não está falando por si, está sendo instrumento do racismo que é originariamente branco. Nós reproduzimos meramente o que nos foi passado durante dois séculos de libertação forjada; libertação física e aprisionamento mental. O policial negro, que suspeita do cidadão negro e só dá baculejo em preto, ele não é racista, racista é a INSTITUIÇÃO POLÍCIA, racista é o ESTADO, racista é a educação eurocentrada que ele recebeu. O policial preto que suspeita, bate e assassina preto, é INSTRUMENTO das instituições; ele foi formado pra isso, pra bater em seu irmão e legitimar um racismo que não é seu. Ele simplesmente não vê seu semelhante como seu irmão de África por que ele não foi “doutrinado” pra isso, ele não tem a identidade necessária para se enxergar no seu irmão a ponto de se ver nele e entender que, assim como ele, o preto que ele ta batendo não é, de cara, um suspeito.
E a pergunta que não quer calar: como esse aprisionamento mental se dá? O sistema racista é perverso e ele tem a maior e mais eficaz arma da contemporaneidade que são os meios de comunicação. Jornal, televisão, rádios, revistas, etc. Nunca é suficiente lembrar que, especificamente a mídia, não nos contempla, não nos reflete, não temos nela nenhuma possibilidade de identificação. A religião que dá os direcionamentos morais dos telespectadores e, por ora, teleguiados, não engloba atabaques, sacerdotisas pretas de torços na cabeça, cânticos em iorubá, toques e rituais Nyahbinghis, um enviado de Deus preto e etíope, exceto quando pretendem falar de folclore. Na moda não há penteados afros, Black Power, tranças nagô, estamparias e ou tecidos africanos, grande expressividade das modelos e estilistas negras e negros. As mocinhas e mocinhos não são negras e negros, exceto quando temos “A cor do pecado” ou “duas caras”... e eu creio que essa identidade, nós não queremos. O padrão de beleza não engloba nariz largo, lábios grossos, pele escura ou cabelo crespo. Definitivamente, a arte não imita a vida, embora essa arte desalmada tenha sido imitada. Por isso, vemos nossas mulheres pretas alisando o cabelo e querendo fazer franjinha pra ficar igual a Aline Moraes na novela das oito; vemos pessoas reproduzindo o que Ali Kamel consegue deixar nas entrelinhas (e às vezes nem tanto nas entrelinhas assim) dos programas e novelas da emissora que dirige!! Pois é...eles não são racistas!! Não são racistas, mas o padrão de beleza que está colocado é o do branco e, portanto, não é a toa que as chapinhas correm soltas. As/os negras/os querem se ver, querem se enxergar naquilo que assistem, naquilo que persistentemente lhe dizem que é o certo. Qualquer pessoa que sempre teve sua imagem subestimada, também quer um dia ser chamado de bonito, ainda que isso implique fugir de sua raiz, deixar sua identidade de lado buscando uma outra que não lhe, originalmente, não lhe pertence.
Pra finalizar, eu queria dizer que a nossa identificação (na verdade a ausência dela) está em todos os espaços e a Academia não podia se eximir disso. Digo isso por que, se Diáspora existe hoje, foi justamente por causa dessa falta de identificação que temos com a universidade. Apesar de agora negras e negros estarem presentes aqui dentro, esse espaço ainda não tem nossa cara. Pra facilitar o entendimento do que está sendo dito, é só rememorarmos como e porque surgiu o Diáspora.Ano passado (2007), no auditório da Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas da UFBA, acontecia a I SEMCISO e nas mesas, em todas elas, não se viu nenhum negro e muito menos negra compondo-as. Intrigada, pra não dizer indignada, uma colega, também membro e fundadora do grupo(Deise Queiroz), pediu a fala e expôs sua insatisfação com aquela situação. Como resposta dos organizadores do evento, ouviu que não havia negras e negros, na academia, que pudessem compor aquelas mesas. Mais indignada ainda com a resposta com obteve, ela começou a comentar com outras/os colegas negras e negros acerca disso e de outras questões raciais do mundo acadêmico e também exterior a ele. Foi em decorrência dessas discussões que surgiu o Diáspora – Negras e Negros em Movimento.
É importante, portanto, que vejamos que apesar daquela resposta ter sido absurda, já que sabemos que existem sim, negras e negros capacitados na academia e fora dela pra discutir aqueles temas e quaisquer outros, nós temos que ocupar ainda mais espaços lá dentro. Temos que nos enxergar, nos identificar na academia por que ela também é nossa. Temos a faca e o queijo na mão, só falta olharmos pra nós e pra nossos irmãos de África e percebermos o elo que nos faz fortes.Uma identidade negra é o que nos uni, nos fortalece, e conseqüentemente, nos diz que somos tão bons ou mesmo melhores que qualquer branco. Outras libertações dependem primordialmente dessa: a libertação de uma mentalidade eurocêntrica, a construção de um identidade preta/afro-diaspórica e auto-estima elevada para aguçar a percepção da nossa capacidade de ir adiante, em busca da libertação do racismo cínico, da libertação das correntes que nos amarram na marginalidade, no sub e desemprego, na baixa escolaridade, na maior vulnerabilidade a doenças e mortalidade.