No dia 28 de março, fiz uma postagem tratando da PEC dos Domésticos, mas me ative a abordar aspectos históricos e sociais, mas prometi voltar pra falar dos aspectos jurídicos. Eis que aqui estou.
“Os Direitos sociais nasceram das necessidades sócio-econômicas de um processo histórico de instabilidades. Depois da falência dos regimes absolutistas, surgiu a burguesia que trouxe o tripé valorativo da Revolução Francesa – Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Os Direitos Sociais vieram no bojo da ordem econômica uma vez que surgiram da decadência do Constitucionalismo Liberal e da premente necessidade de resposta e saneamento da questão social geradas pelo Capitalismo.Tendo em vista que o Capitalismo se mostrou sistema econômico auto-destrutivo e conseqüentemente ocasionador da desordem com os elevados índices de desemprego e pauperização social, não havia uma preocupação direta, primária e altruísta de ajustar os problemas sociais e sim, a pretensão eminente de regularizar a situação econômica. Diante deste contexto de exclusão social e pauperização é que surgiram os direitos de segunda dimensão, denominados Direitos Sociais.” (Ramos, Gabriela. 2010, Ações Afirmativas Como Meio De Efetivação Das Normas Programáticas: A Promoção Do Direito À Educação – Monografia)
O Brasil teve, contando com a atual, oito Constituições que foram outorgadas/promulgadas nos seguintes anos: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988.
A inserção dos direitos sociais foi feita gradativamente no histórico
do constitucionalismo brasileiro só vindo a aparecer explicita e
especificamente na de 1937 que trouxe já também as primeiras diretrizes
do direito trabalhista, quando, inclusive, foi criada a Justiça do
Trabalho dentro do Poder Judiciário. Foram diversas as fases de
construção dos direitos sociais e, os direitos trabalhistas, sendo
espécie deste, também passou por diversos momentos até se firmar. A Consolidação da Leis do Trabalho (CLT)
foi promulgada na gestão do então Presidente Getúlio Vargas em 1943,
mas já passou por diversas alterações. Embora não tenha sido
legislativamente substituída, sua interpretação e aplicação se
atualizaram e acompanharam a dinâmica da vida em sociedade através das
discussões no Judiciário que acabaram por criar uma enorme gama de
súmulas e orientações jurisprudenciais.
Se
analisarmos esse histórico dos direitos trabalhistas de forma mais
atenciosa não vai ser difícil perceber que até determinado momento os
domésticos foram negligenciados e isso se deu por ocasião da visão
escravagista que fez com que eles permanecessem invisibilizados tanto
pelos legisladores, quanto pela sociedade, e perdurasse a marginalização
social, a precarização no trato e o não reconhecimento de quaisquer
direitos. Só em 1972 é que foi promulgada a Lei nº 5859
que, embora apresente avanços, conjunturalmente, nada mais fez do que
reiterar que até aquele momento os trabalhadores domésticos eram
invisíveis e ainda resguardavam o estigma da escravização. O
supracitado diploma legal deu o pontapé inicial para que os direitos dos
domésticos fossem resguardados, mas veio com limitações enormes.
Com a Constituição de 1988, os direitos sociais ganharam um capítulo
exclusivo dentro do Título que trata dos direitos e garantias
fundamentais e o seu art. 7º elenca os direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais. Esse mesmo artigo, porém, traz uma ressalva em seu
Parágrafo Único que tira os domésticos da invisibilidade constitucional
para colocá-los em uma situação inegavelmente mais confortável, mas
também ainda distante de uma equiparação plena dos demais trabalhadores,
ou seja, da invisibilidade, para a marginalidade trabalhista.
A PEC 66/2012 veio justamente para dar mais um passo em direção à
garantia de direitos trabalhista dos domésticos à medida que os
equiparou aos trabalhadores em geral (urbanos e rurais). Como toda
novidade no meio jurídico, a PEC veio cercada de polêmicas, sobretudo em
relação a alguns pontos de difícil aplicação (ou melhor, difícil
adequação). A seguir, vou pontuar apenas os que entendo ser os mais
complexos ou controvertidos:
- A indenização por ocasião da despedida sem justa causa é uma das
questões que já está sendo discutida nos bastidores do Congresso
Nacional por necessitar de regulamentação. O percentual que é de 40%
para os trabalhadores urbanos e rurais em geral está sendo questionado a
fim de desonerar o empregador havendo propostas de sua redução para uma
faixa entre 5% e 10%.
“A gente é contra esse 10% ou 5%. Se for 39,99%, é diferente dos outros trabalhadores. A gente lutou por equiparação de direito. Se for diferente, continua sendo desigualdade”, disse a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria Oliveira em entrevista ao Portal de Notícias G1.
- A garantia do salário mínimo para quem recebe salário variável traz
à baila a questão dos diaristas. Na verdade, essa já era uma discussão
muito corriqueira na Justiça do Trabalho que acabou por construir um
entendimento de que, para não configurar a relação de emprego, a
prestação de serviço poderia ser realizada, no máximo, 2 vezes por
semana e isso, consequentemente, determinava a distinção entre quem
tinha direito ao salário mínimo e quem poderia receber aquém desse piso.
Contudo, com a extensão desse direito, a discussão volta a esquentar.
Acredito que as coisas poderiam ficar como estão nesse sentido, tendo em
vista que as diaristas resguardam maior liberdade de disposição do seu
tempo para a prestação dos serviços, podendo, inclusive, obter maiores
vantagens financeiras se tiver vários locais de trabalho: uma espécie de
freelancer do trabalho doméstico.
- A proibição do trabalho noturno, insalubre e perigoso aos menores
de 16 anos vem trazendo um plus, abordando também a questão da
exploração do trabalho infantil. Aliás, trabalho para jovens menores de
16 anos, só como aprendizes e não consigo vislumbrar que trabalho
doméstico seja estágio profissionalizante. Vejo esse ponto como um
grande avanço e que deva ter suas discussões correlacionadas com o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
- Jornada de trabalho, horas-extras e adicional noturno: esses, sem
sombra de dúvidas, são os pontos mais polêmicos da PEC por que o
trabalhador doméstico tem suas peculiaridades e, com certeza, esses vão
ser o maiores causadores de problemas de adaptação, sobretudo por que
são esses pontos que mais rompem com a situação de exploração do
doméstico. A jornada de trabalho fixada em 8 horas diárias e 44 semanais
traz questionamentos acerca da forma de controle dessa jornada, mas
nada que não possa ser resolvido com uma folha de ponto que deva
registrar horários de entrada e saída dos empregados a fim de computar,
os tempos de déficit e as horas-extras. Com um pouco de boa vontade,
tudo pode ser ajustado, sem que se caia em perseguições e conseqüentes
assédios morais. Já o adicional noturno é a questão mais discutível se
pontuarmos a situação dos empregados que dormem no local da prestação de
serviço. Existem 3 possibilidades: considerar hora noturna; considerar
sobreaviso ou não contar como jornada. Cada uma dessas possibilidades
tem uma forma de ser remunerada, umas mais e outras menos onerosas para o
empregador. Esse é um item que deverá ser analisado de acordo com as
discussões judiciais que virão pela frente. Vai acabar sendo mais uma
temática a ter interpretação determinada pela Justiça do Trabalho por
meio de suas súmulas e orientações jurisprudenciais por que só a
dinâmica das relações vai conseguir orientar o que é mais justo ou
adequado para as circunstâncias.
Resolvi
por abordar apenas os pontos mais polêmicos, senão o texto ia virar um
artigo científico o que, para um blog, não é interessante. Afora isso, é
importante sinalizar que dificuldades sempre serão criadas para frear o
avanço e melhora na qualidade de vida das classes mais vulneráveis da
sociedade, portanto, sempre haverá questionamentos até esdrúxulos para a
efetivação desses direitos, inclusive afirmações como a de que a nova
PEC ocasionará uma demissão em massa dos domésticos uma vez que os
empregadores não suportarão tantos ônus. Hoje já é difícil encontrar
quem queira trabalhar como domésticos por que a parcela de pessoas que
ainda estão numa situação de vulnerabilidade nesse nível está
estatisticamente reduzindo à medida que também diminui a população
miserável do país. Há mais pessoas dessas classes acessando a educação e
migrando pra outras áreas do mercado de trabalho e se negando mesmo a
se submeter a relações de trabalho degradantes. Para a Secretaria de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República, já há diminuição
do número de trabalhadoras domésticas no país, em parte porque as
mulheres buscam outras formas de trabalho e em parte porque as famílias
estão se organizando de outra maneira. Desse modo, cai por terra a
teoria mirabolante das classes dominantes de que haverá desemprego em
massa. Esse discurso embriagado pela dissimulação não traduz nenhuma
generosa preocupação com as minorias sociais do país e sim uma tentativa
de, camufladamente, manter o status quo das coisas. Mas quando algumas
coisas não progridem, elas necessariamente retrocedem por que é da sua
essência progredir.
OBSERVAÇÕES:
1. Tentei ao máximo evitar o juridiquês para que o texto ficasse
simples e de fácil leitura, mas não deu pra tirar todos os termos
técnicos. Quaisquer dúvidas, podem questionar nos coments que estarei a
postos para elucidar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário